Associação de Estudos Huna

O Poder Curador da Paciência

por Serge Kahili King
do texto original “The Healing Power of Patience
Tradução de Luiz Carlos Jacobucci

A palavra Havaiana ahonui normalmente é traduzida como “paciência”. Entretanto, essa tradução para o Português pode ser muito enganosa porque não agrega exatamente o mesmo significado da palavra “Ahonui”.

Em geral, quando falamos sobre paciência em Português, queremos dizer da capacidade de sofrer com dificuldade, desconforto ou dor, sem reclamar. Há um sentido de força interna ou coragem, mas é, essencialmente, um conceito passivo. Alguma coisa ruim está acontecendo com você e você a suporta bravamente por quanto tempo ela durar.

Por mais interessante que esse conceito possa ser, ele não transmiti o significado integral de “Ahonui”.

Vou contar uma estória que ajudará a ilustrar isto, uma das estórias de Maui. Esta é uma versão Kauai e irei apresentar alguns de seus significados internos para mostrar a ligação com “Ahonui”.

Era uma vez, muito tempo antes do Capitão Cook, Maui Kupua, nascido, claro, em Kauai, que voltava de O’ahu em sua canoa quando pensou: Por que as ilhas são tão distantes umas das outras? “Elas deveriam ser mais próximas.” Assim, após desembarcar, foi até sua mãe Hina, em Wailua, e pediu um conselho a ela.

Hina parou de bater a “tapa” (1) e disse: “Se quiser aproximar as ilhas, você terá que pescar a baleia gigante Luehu com seu anzol mágico, Manai-a-ka-lani, e segurá-lo firme por muito tempo. Se puder fazer isso, Luehu irá circundar as ilhas e você conseguirá aproximá-las. Leve seus irmãos para ajudá-lo com a canoa, mas alerte-os para sempre olharem para frente, não importa o que aconteça, ou você irá falhar”. (2)

Maui, então, reuniu seus quatro irmãos, Maui, Maui, Maui e Maui e disse-lhes o que iria fazer. Todos ficaram empolgados com a aventura e quando ele os alertou sobre olharem sempre para frente não importando o que acontecesse, eles prometeram que assim fariam.

Finalmente, a canoa estava pronta, o anzol estava pronto e os irmãos estavam prontos. Durante um intervalo da ressaca, eles remaram em direção ao Canal de Kaieiewaho e começaram a procurar pela grande baleia. Procuraram por muitos dias até que, finalmente, encontraram a grande baleia Luehu nadando perto de Nihoa, a ilha a noroeste de Kauai. Maui jogou seu anzol mágico, Luehu o agarrou com a boca e, imediatamente, começou a arrastar a canoa pelo oceano, em alta velocidade.

Por muitos outros longos dias, os irmãos Maui resistiram com determinação enquanto a baleia os puxava para frente, mas segurando cuidadosamente a linha de pesca da maneira correta e, habilmente, remando da maneira correta e no tempo correto, fizeram com que a baleia circundasse as ilhas, até que um dia chegaram novamente à costa de Wailua, de frente para O’ahu.

Luehu já estava cansado, e assim, enquanto Maui Kupua puxava a linha de pesca com toda sua força, seus irmãos remavam para trás vigorosamente e, muito lentamente, as ilhas começaram a se aproximar. Nesse momento, um balde coletor de água da canoa, Kaliu, flutuava ao lado da canoa. O mais velho dos irmãos Maui, no controle do leme de direção (3), agarrou rapidamente o balde e o jogou para trás dele, para o caso de precisarem dele. Ele não sabia que o balde era um espírito malévolo, um e’epa, que se transformou numa mulher muito linda. Todos os que se amontoavam na praia de Wailua admiravam a beleza da mulher. No início, nenhum dos irmãos Maui prestou atenção, mas, finalmente, a aclamação ficou tão intensa que os quatro irmãos Maui se voltaram para ver que bela mulher era aquela quem todos estavam aclamando. Naquele momento, Luehu sentiu a linha afrouxar e deu um último salto desesperado para a fuga. Sem a ajuda dos irmãos, Maui Kupua puxou muito forte, a linha de pesca quebrou, Luehu fugiu e as ilhas novamente se separaram. E sabemos que a estória é verdadeira porque as ilhas continuam separadas até hoje.

As lendas Havaianas sempre contém um conhecimento oculto, normalmente na forma de nomes com vários significados. Nesta estória, o herói Maui quer realizar uma grande façanha, a reunião das ilhas, mas, para fazer isso tem que capturar a baleia Luehu com seu anzol, Manai-a-ka-lani. “Luehu” significa “espalhado” e “Manaiakalani” é “a agulha usada para fazer colares de flores havaianos”. As ilhas espalhadas tinham que ser aproximadas, talvez política, cultural e socialmente, como flores amarradas em um colar havaiano. Onde eles encontraram a baleia? O antigo nome do Canal de Kauai, ”Kaieiewaho”, significa simplesmente “o mar aberto”, mas poderia se referir à necessidade de uma pessoa sair de suas próprias fronteiras. O lugar onde encontraram a baleia, “Nihoa”, foi um lugar muito sagrado em tempos passados. O nome significa “pontiagudo, afiado”, como uma fileira de dentes, e é parte de um ditado antigo: “Ku paku ka pali o Nihoa i ka makani – Os penhascos de Nihoa se elevam como uma barreira contra o vento”. Este ditado refere-se a alguém que enfrenta as adversidades com coragem.

O elemento mais importante na estória é a linha de pesca, pois é chamada de “aho”, e também significa “respiração, respirar” e “exercer grande esforço”. Maui deveria exercer grande esforço para realizar seu intuito, que ainda assim não era suficiente. A palavra “nui” significa “grande, muito, muitos, alguma coisa que dura muito tempo ou alguma coisa muito importante”. “Ahonui” é a palavra que usamos para representar a última letra de Aloha, para nos dar uma compreensão mais profunda de amor. Significa “paciência” e também é a palavra para “perseverança”. Não é a paciência para aguardar numa fila. É a persistência para bater numa porta até conseguir uma resposta. Não é a paciência para aguardar fora de uma tempestade. É a perseverança para deslocar-se através da tempestade até seu destino. Não é esperar para ser curado. É usar tudo o que se sabe e fazer tudo o que se pode para fazer a cura acontecer. “Ahonui” pode também ser traduzida como “muitas respirações”, o ato de mover-se em direção a alguma coisa que se quer com todas respirações que forem necessárias.

As lendas Havaianas nem sempre têm finais felizes, porque algumas vezes não têm objetivo de dizer como ser bem sucedido, mas também como falhar. Nesta estória que acabei de contar, o fracasso do grande plano para aproximar as ilhas foi provocado por “Kaliu”, o “balde coletor de água de vazamento da canoa”. “Ka” se refere a um balde de canoa, mas também é uma palavra que indica uma ação enérgica para amarrar coisas juntas, para realizar ou fazer coisas e até mesmo para pescar. “Liu”, o “vazamento”, é o vazamento de atenção para o seu objetivo, a perda de foco do que é importante. Na estória, os irmãos de Maui, que representam aspectos dele próprio, distraíram-se e, ao perderem o foco, também perderam seu objetivo. A perseverança não funciona em tempo parcial.

Felizmente, há muitos exemplos neste mundo de pessoas que perseveraram diante de situações aparentemente insuperáveis e que realizaram mais do que se concebia ser humanamente possível. Conheci e conversei com muitas dessas pessoas e li sobre muitas outras, mas uma delas ficou fortemente marcada em minha memória.

Há alguns anos atrás tive o privilégio de participar de um programa do Departamento de Educação para ensinar jovens sobre auto-estima e parte da oficina que dei foi incluída em um vídeo distribuído pelo sistema escolar. A melhor parte do vídeo, entretanto, não foi minha contribuição. A melhor parte foi a estória de uma jovem garota que se tornou uma dançarina de “hula”. Fiquei profundamente impressionado quando a câmera mostrou a garota, da cintura para cima, dançando junto com outras garotas, todas em um movimento gracioso, no mesmo ritmo e com os mesmos gestos. Quando a câmera se afastou, fiquei espantado. Sim, essa adorável garotinha era uma boa dançarina, tão boa quanto as outras. E tinha apenas uma perna.

Imagine a paciência, a persistência, o sofrimento, a perseverança, o AHONUI que essa garotinha empreendeu para desenvolver a graça e a habilidade que era difícil até para suas parceiras de duas pernas. E o que deu a ela este ahonui? De onde ele veio? Como ela o mantinha apesar de todos os medos, dúvidas e problemas que deve ter suportado. Há apenas uma resposta. O que deu a ela a força do seu ahonui foi o aloha que ela sentia pela hula.

O que dará a você a força para perseverar na direção de seus sonhos e vontades, planos e objetivos, desejos e curas, é o amor que você tem por alguma coisa que você decide ser tão importante, tão valiosa, tão boa, que realmente nada pode substituí-la em sua mente e em seu coração. Se o seu aloha for forte o suficiente, você terá o ahonui para seguir em frente apesar da dúvida, da decepção, do medo, do malentendido e de todas as pessoas que dizem que o que você quer é impossível. Neste universo infinito, a única impossibilidade é qualquer coisa que você nunca tenta fazer e a única falha é quando você decide desistir.

Notas do Tradutor:
(1) tapa – fibra vegetal para fabricação de tecido
(2) na estória, Luehu é uma baleia macho
(3) o controlador do leme de direção fica no último banco traseiro do barco

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